28/01/2015

Minha Vida - Arte educação

Minha Vida - Arte educação


(trecho do livro de memórias "Passagens" de Maria Teresa Vieira/ a ser lançado em outubro de 2015)

A ausência:
A presença na ausência alimenta. E quando nos damos por inteiro, a marca da ausência fica na presença. Eu tenho observado o seguinte em matéria de arte-educação: por que é que eu entrei nessa história ?
O artista e o educador tem um compromisso e uma necessidade de orientar. Não somente o artista orientar, mas inclusive, ser orientado.
O educador era a necessidade, que eu sentia de completar as lacunas da infância. E o respeito de não ficar com as coisas só para mim.
É como se eu precisasse dar sempre ao outro através da arte. Eu acreditava realmente nisso. E até agora eu acredito que através da arte o homem pode se encontrar. É como se ele conhecendo o material, possa conhecer a si mesmo. Ele traçando a linha, está traçando a sua linha. E no continuar, ele vai resolvendo, dando soluções para suas coisas.
Eu sempre achei interessante dizer:
- Quando eu ficar bem, eu venho ter aula de pintura.
Mas justamente, eu achava que a pessoa iria ficar bem, tendo primeiro a aula de pintura, de teatro, de música. Aula para colocar sua criação em movimento, e organizar sua impetuosidade. Canalizando. Ter um ambiente onde propiciar-se o colocar para fora. Dentro desse ambiente iam surgindo situações. E dentro do surgir era como se o homem tivesse uma oferenda para dar à humanidade. Essa oferenda era materializada em atitudes. Quando a pessoa escolhe verbalizar essa oferenda, em forma de literatura, está sempre dando, está sempre militando.
Mas, há pessoas que fazem isso na atitude humana. O dar de cada dia. O viver constante. Organizar para dar à humanidade.
O artista dentro de sua arte, se organiza, O educador seria canalizar essa emoção, organizar essa emoção que cada um traz. Organizar o caótico. Estou me lembrando do meu amigo Willy.
É muito importante ver o caótico de cada um de nós. Ver surgir e depois organizar. Essa organização só vem da continuidade.
E se alguém vem sem saber como organizar as emoções, os gritos, os movimentos? O diretor deverá organizar os gritos. Organizar o caótico é tarefa do diretor, do educador, do professor, do estadista, da dona de casa, do presidente de uma organização.
As consequências do caótico, a continuação do mesmo, só darão dúvidas para o próprio caótico.
É como os altos e baixos de uma música: movimentos fortes e movimentos tranquilos, agudos e graves. Se não, haveria uma angústia muito grande, sem resultado.
É importante a educação do caótico e a presença do mesmo.
Este é o momento de dizer que educar é ajudar, é canalizar.
Mas, para educar, eu tive que me educar, o que não foi muito fácil dentro da educação desordenada de um nordestino. Tive que por em ordem as minhas gavetas desarrumadas. E até ser durona. Em alguns momentos até ser severa. Ser dura até comigo, e com os outros. Eu descobri que às vezes é necessário ser dura, para poder ser flexível em algumas horas. O dar não para dar sim. E ter conhecimento de alguns momentos do outro, de informação do outro, mas de maneira nenhuma ficar de antolhos, querendo aplicar os ensinamentos só de uns, sem ouvir o ensinamento do seu coração.
O educador não deve ser só educador. Ele tem que ser criador. Se ele não criar alguma coisa, ele não vai conseguir saber como passar adiante. Ele tem que resolver o ato da sua própria criação.
Tem o educador que é artista. E tem artista que é educador, e sente necessidade de passar para o outro, não somente a sua técnica, mas passar o sentimento da criação, em todos os minutos, não somente no trabalho que está sendo feito.
O professor deve ter um espírito aberto, e o aluno também, para saber quando vai existir outra aula, sem ser aquela que o aluno está assistindo. Mas, o professor tem que saber quando é que o aluno deverá ter outras informações com outro colega. Ele não deve ser vaidoso para reter o aluno um tempo maior do que o necessário.
O aluno sentirá que está sendo amado, respeitado, e poderá profissionalizar aquilo que está aprendendo, embora seja um trabalho quase como lazer, como um alegria.
Mas, e aquela sensação de carregar pedra, que entrou dentro da humanidade ?
Se não carregamos pedra, pensamos que a coisa não é séria. Dentro da formação que tivemos, a arte será muito forte, quase difícil e triste. É um conceito que temos que pensar e transformar.
Por que a arte não pode ser feliz, prazerosa e lúdica ? Por que a tristeza não pode estar conosco? Por que tem que ser só alegria? Por que lutar pela conquista não pode fazer parte do processo? A dor não faz parte do processo da vida?
E o aluno compreenderá que é uma coisa maravilhosa, a pesquisa constante, a procura, o brinquedo, o sério, o lúdico, o exigente, o suave.
É fundamental numa oficina propiciar ao aluno, esses momentos de busca. Quem é que tem tempo de saber o que quer ? tem que ter um lugar onde a pessoa experimente. Faça experimentos, erre. Faça experimentos, erre. ( Maria Teresa Viiera )

04/10/2010

A História Pré-Natal de Maria Teresa Vieira (por Carlos Drummont de Andrade)


Naquela Região que fica entre nuvens e sonhos, uma garota, entre milhares de outras, estava para nascer. A um lampejo de Deus, criou alento e alma. O criador fixou-a bem nos olhos e disse-lhe:

- Vai filha, fazer a experiência terrestre. Previno-te que enfrentarás duras provações, mas que sairá vitoriosa de todas.

A menina, muito lampeira, respondeu-lhe:

- Eu topo. Mas posso escolher um destino só meu, do meu gosto mais profundo, a ser cumprido, apesar das dores que o senhor me anunciou?

- Podes. Dou-te plena liberdade de escolhê-lo.

- Então serei artista pintora, com toda garra e paixão.

- Combinado. Desde já determino que a arte será a luz e o guia de tua vida, no meio de todas as batalhas.

- Obrigada, Senhor. Assim serei feliz, e nada destruirá minha forma de felicidade.

- Vai com Deus, isto é, vai comigo.

A menina fez a mesura para retirar-se, mas voltou, interrogativa, à presença divina:

- Um detalhe, senhor. Depois de me realizar como artista quero viajar por terras do mundo, levando comigo a minha arte como se levasse um filho pequenino no colo, com todo o amor.

Deus abanou a cabeça:

- Olha, Maria Teresa, um último e tolo empecilho não te permitirá satisfazer este desejo. Mas que importância tem isso? Toda a tua vida será uma viagem contínua e luminosa no interior de ti mesma, através das paisagens, das cores, dos entusiasmos, das dedicações, das ternuras e tesouros do teu coração inumerável. E esta será a mais linda viagem.                 

Carlos Drummont de Andrade

31/03/2008

Dados Biográficos

Maria Teresa Vieira
(Maceió - 1932, Rio de Janeiro - 1998)

Desenhista, pintora e arte educadora, Maria Teresa Vieira da Silva revelou-se nas artes plásticas ainda na infância, e na adolescência, aos 14 anos, começou a estudar pintura com Lourenço Peixoto e depois com Miguel Torres, então, os mais reconhecidos mestres de Maceió - Alagoas.

Filha de Antídio Vieira da Silva, funcionário público, contador, humanista, e Maria Joaquina Nunes Vieira da Silva (Dorinha), Maria Teresa tinha 15 irmãos, e aos 15 anos de idade chegou a ser noviça, porém, na mesma época escolheu a arte como religião e vida, pois, um ano após a primeira individual em 1949, no salão da Câmara Municipal de Maceió - que lhe concedeu uma bolsa de estudo, Maria Teresa transfere-se para o Rio de Janeiro, ingressando na Escola Nacional de Belas Artes, onde foi aluna de Henrique Cavaleiro, Edson Motta e Georgina de Albuquerque, entre outros, e ainda em 1950 classificou-se para o Salão de Arte Moderna, na Seção de Desenho.

Em meados da década de 50, foi convidada por Tude de Souza, diretor da Rádio Ministério da Educação, para trabalhar como ilustradora dos programas da rádio, onde conheceu sua grande amiga Geni Marcondes, musicóloga, historiadora da arte e artista plástica que lhe abriu os caminhos da arte educação.
Nesta mesma época começa a ministrar aulas em seu ateliê, no bairro de Santa Teresa e na Colônia Juliano Moreira a convite da conterrânea Nise da Silveira, psiquiatra que utilizava a arte como terapia ocupacional de apoio ao tratamento dos internos, incentivando Maria Teresa, que, de forma inversa, se utilizava da psicologia como apoio ao ensino artístico.Trabalhou também como ilustradora de poesias e crônicas de jornais e revistas como Fon Fon e Cruzeiro, entre muitas outras. Em 1956, sua pioneira oficina de serigrafia artística na Escola Nacional de Belas Artes, bastante freqüentada, desenvolvia técnicas mistas de gravura, desenho e pintura e que, mais tarde, foi implantada na UNE.

Em 1960 teve um filho, Arnaldo Vieira de Alencastre, com Flamínio Gomes de Alencastre, funcionário público, economista. Em 1963 Maria Teresa casa-se com o escultor José César Branquinho, com quem teve dois filhos, Moema (64) e Paulo Vieira Branquinho (66), se divorciando em 1974. Amiga de Carlos Drummond, Billy Blanco, Djanira, Faiga Ostrower, Sérgio Bernardes, Edino Krieger, Joel da Silveira, Fernando Pamplona, Edna Savaget, Geni Marcondes, Rubem Braga, Darel e Ziraldo, entre tantas personalidades brasileiras.

Em sua obra, após um período de forte expressionismo, voltou-se em 1958, para a “realidade circundante”, a fase naturalista, durante a qual fixou quase que documentariamente e usando de técnicas mistas e nanquim - o bairro de Santa Teresa - onde residia, numa série de paisagens caracterizadas pela ausência de figuras humanas, que lhe proporcionou fama precoce, com o Prêmio de Insenção de Juri em 1963, e o cobiçado Prêmio de Viagem ao País, no Salão Nacional de Arte Moderna, em 1965.

Na subseqüente Série Síntese – que durou aproximadamente, de 1967 a 1973, a artista começou a adotar formas tão soltas que pareceu a um passo da abstração – com o incentivo da gravadora Faiga Ostrower e sob as referências elogiosas de críticos do porte de Jacob Klintowitz, José Roberto Teixeira Leite e Quirino Campofiorito.

A década de 70 marcou, tanto a realização de paisagens e retratos em óleo sobre tela, quanto de trabalhos em papel com técnica mista. As décadas de 80 e 90 marcaram o desenvolvimento de paisagens em técnicas mistas com betume, vieux-chene e nanquim, bem como acrílicas sobre tela de forte expressão de cores e movimentos, primeiro através de paisagens e queimadas na Série Ecologia e, em seus últimos anos de vida numa integração intensa com a natureza enveredando pela interpretação espontânea dos gestos.

A artista está catalogada, entre outros, no prestigioso Dicionário das Artes Plásticas no Brasil, de Roberto Pontual e no Dicionário de Pintores Brasileiros, de Walmir Ayala. Figura ainda no Livro-álbum Brasil-Arte do Nordeste, no Livro Arte Contemporânea das Alagoas e no Livro “Coleção ABN AMRO Real”, entre outros.

Uma das pioneiras da arte educação brasileira, Maria Teresa rompeu com o academicismo dos métodos tradicionais de ensino artístico, desenvolvendo métodos com o objetivo de propiciar a capacidade criadora, ministrando aulas em grupo com tratamento individualizado, sem interferência na criação do aluno e com respeito ao seu processo particular, incentivando a pesquisa interior, ou seja, o que o aluno traz em si, a sua bagagem pessoal e valorizando a importância de canalizá-la em busca da sua expressão artística.

Maria Teresa Vieira dedicou 50 anos à arte, tendo produzido mais de oito mil obras, e 46 anos ao magistério artístico, contribuindo na formação de várias gerações de artistas, com o desenvolvimento da arte educação, da arte terapia, da educação inclusiva e da inclusão social através da arte, em cujo reconhecimento a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro concedeu-lhe uma casa na tradicional Rua da Carioca, para servir-lhe de centro de arte e ateliê-residência, cuja reconstrução interna, restauração das fachadas e implantação foi custeada por doações da Construtora Servenco, da Cerâmica Vaz e de amigos, alunos e artistas, num gesto de solidariedade e mecenato que já serve de exemplo.

Exemplo de perseverança e alegria de viver, Maria Teresa pintou até o momento se seu falecimento devido a um câncer, com 65 anos, em 18 de Março de 1998, no Rio de Janeiro.